Guerra híbrida russa na Ucrânia.
A agressão russa na Ucrânia começou com a invasão traiçoeira da Crimeia, quando nos dias de incerteza política após os protestos populares de Euromaidan e a fuga do então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, numa manobra rápida, soldados russos invadiram e tomaram todos os edifícios governamentais e instalações estratégicas. Os soldados não tinham insígnias, usavam balaclavas e permaneceram em silêncio quando questionados. Menos de um mês após o desembarque dos “homenzinhos verdes”, a Rússia encenou um referendo falso e anexou ilegalmente a Península da Crimeia.
A operação secreta na Crimeia foi o primeiro teste da Rússia da sua nova abordagem à guerra, na Ucrânia. Foi claramente um sucesso e, várias semanas após a anexação, militares russos com as suas armas e equipamentos começaram a fluir pela fronteira da Rússia continental para o leste da Ucrânia. De início, somente pequenos grupos equipados com armamento ligeiro, mas gradualmente o seu número cresceu e o seu equipamento tornou-se mais variado e mortal, de metralhadoras a lançadores de granadas a obuses e tanques. Essa escalada militar crescente sem declaração oficial de guerra era parte da estratégia híbrida da Rússia que buscava obter o controle do território da Ucrânia, enquanto fazia o possível para convencer outras nações de que se tratava de um conflito estritamente interno. Na época em que Moscovo continuava a enviar militares e mercenários treinados com identidades falsas e armas russas para a Ucrânia, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, empregou a táctica de negação e ridicularizou a ideia do envolvimento da Rússia na Ucrânia em seus discursos.
A Rússia também estava a alimentar o conflito ao financiar grupos locais, liderados por pessoas que mal conseguiam esconder os seus negócios sombrios e conexões criminosas. Gangues, contrabandistas, gangsters e brutamontes da máfia, juntamente com funcionários locais corruptos, todos generosamente financiados por Moscovo, formaram a espinha dorsal do movimento pró-Rússia. Essa multidão irregular foi liderada por senhores da guerra como Igor Girkin a.k.a. Strelkov, Igor Bezler a.k.a. “O Imp”, Arseny Pavlov a.k.a. “Motorola” e Alexander Mozhaev a.k.a. “Babay”, todos eles “importados” da Rússia.
As tácticas de “guerra ambígua” deram frutos e, no final da Primavera de 2014, aproximadamente 7% do território da Ucrânia estava sob o controle dos líderes fantoches do Kremlin, e a Rússia tinha o ambicioso plano de estender o seu controle sobre o resto das regiões de Donetsk e de Luhansk e, adicionalmente, ocupar as regiões de Kharkiv, Dnipropetrovsk, Zaporizhia, Mykolaiv, Kherson e Odesa.
Este plano poderia tornar-se realidade, se não fosse pela resistência desesperada dos ucranianos que, apesar do péssimo estado das forças armadas ucranianas subfinanciadas e enfraquecidas, conseguiram organizar e equipar batalhões de voluntários que reforçaram e revitalizaram o Exército Ucraniano, de reação lenta e obsoleto.
O efeito foi tremendo. No Verão de 2014, as Forças Ucranianas começaram a libertar cidades e territórios ocupados: Mariupol (a 13 de Junho), Slovyansk, Kramatorsk, Druzhkivka, Kostiantynivka (a 5 de Julho), Artemivsk (a 6 de Julho).
Este progresso rápido enfraqueceu? os planos de longo alcance da Rússia, e Moscovo decidiu duplicar os esforços enviando para Donbas MANPADS (havia pelo menos 7 casos comprovados de perdas de aeronaves para MANPADS), caças (a 16 de Julho um Su-25 ucraniano foi abatido por um MiG-29 russo) e sistemas de mísseis terra-ar (pelo menos 2 casos confirmados de perdas de aeronaves militares e muito provavelmente a queda do passageiro Boeing 777, voo MH17). Em Agosto de 2014, centenas de veículos militares russos e milhares de tropas do exército regular russo entraram na Ucrânia, e cidades e vilas ucranianas foram submetidas a pesados bombardeios de foguetes e artilharia. Também havia muitos sinais resultantes de ataques com foguetes Grad em território ucraniano, na fronteira com a Rússia.
Bombardeios massivos resultaram em vítimas civis significativas e continuavam a devastar as comunidades ucranianas. Os comandantes militares ucranianos estavam perdidos, pois não esperavam que a Rússia se intrometesse tão abertamente e levasse a luta propositalmente para áreas densamente povoadas. Os acampamentos de campanha ucranianos eram alvos fáceis para a artilharia russa. A situação tornou-se incontrolável. As pessoas estavam a fugir da zona de guerra, cidades inteiras ficaram sem água e energia, os supermercados ficaram sem alimentos. A situação humanitária tornou-se crítica e afetou o curso de acção. Incapaz de atacar efectivamente o inimigo sem arriscar grandes perdas de civis, a contra-ofensiva ucraniana fracassou.
A partir de Agosto de 2014, confrontos violentos ocorreram em toda parte ao longo da linha de frente. A 5 de Setembro, representantes ucranianos foram forçados a assinar o Protocolo de Minsk com o objectivo de alcançar um cessar-fogo bilateral com as forças terroristas russas e evitar mais baixas. No entanto, isso não ajudou. Em Janeiro de 2015, o frágil cessar-fogo entrou em colapso, levando a uma das batalhas mais dramáticas da guerra – a Batalha de Debaltseve. A cidade foi fortemente bombardeada por forças apoiadas pela Rússia, e milhares de residentes fugiram da cidade sob bombardeio constante. Apesar das tentativas de manter a cidade sob controle do governo e do novo acordo de cessar-fogo de Minsk II assinado a 11 de Fevereiro de 2015, a luta intensificou-se. A 18 de Fevereiro, as forças ucranianas tomaram a difícil decisão de se retirar.
Desde essa altura, a guerra tem passado por períodos sempre mutáveis de hostilidades latentes e intensas escaladas. Um cessar-fogo estável nunca foi alcançado. Embora as forças russas nunca tenham alcançado o seu objectivo de expandir a zona de controle, o Kremlin não abandonou os seus planos de tomar mais territórios da Ucrânia. Esses planos foram simplesmente postos de lado à espera do momento oportuno. Enquanto isso, Putin está a procurar maneiras alternativas de convencer os Estados Unidos e os Estados membros da UE a suspender as sanções económicas, restaurar as relações com Moscovo e fechar os olhos à invasão russa da Geórgia e da Ucrânia, as suas violações da Carta da ONU, Memorando de Budapeste, Tratado de Amizade Russo-Ucraniano e uma série de outros tratados internacionais. O tempo mostrará por quanto tempo Putin será capaz de conter o seu apetite antes de perceber que ninguém o ajudará a atingir os seus objectivos.
OSINT: Inteligência de fontes abertas e evidências da intervenção militar russa
Embora nunca tenha sido um grande segredo para os locais ucranianos que o exército regular russo participou activamente nos combates em Donbas, não é uma tarefa fácil provar esse facto para a comunidade internacional. As tropas russas têm sido muito cautelosas e diligentes em encobrir o seu crime: pintam as marcações nos seus veículos e tanques e evitam usar qualquer insígnia que possa ligá-los às Forças Armadas russas. Muitos oficiais russos também carregam identidades falsas e todos os regulares fingem ser lutadores voluntários ou mercenários que encerraram o serviço militar apenas algumas semanas antes da ‘viagem’ à Ucrânia.
Essa estranha coincidência, quando milhares de soldados e oficiais russos terminam abruptamente as suas carreiras militares e misteriosamente vêm à tona na Ucrânia, não parece incomodar os comandantes militares russos porque, na realidade, tudo isso está a ser feito por ordem deles.
“Se esta é a agressão russa, qual é a sua prova ?!” – Foi isso que os oficiais do governo russo gritariam enquanto mandavam mais “homenzinhos verdes” e armas para a Ucrânia.
“A sério, qual é a sua prova?” – Repetiam igualmente muitos funcionários e diplomatas estrangeiros.
“Nós vimo-los.”
“Isto não é uma prova.”
“Eles falavam russo com um sotaque diferente dos residentes ucranianos. E usaram palavras de um dialecto que só pode ser ouvido em algumas áreas da Rússia.”
“Isto não é uma prova.”
“Eles usavam uniformes de camuflagem do tipo russo.”
“Isto não é uma prova.”
“Eles carregavam armas russas novas.”
“Eles poderiam tê-las arranjado em qualquer lugar.”
“Eles anexaram de modo ilegal a Crimeia, nosso território.”
“Eles fizeram-no, mas isso não é uma prova que estão a lutar no Donbas agora.”
Por mais absurdo que isso possa parecer agora, esses diálogos realmente ocorreram em 2014.
A Ucrânia enfrentou a negação do óbvio. Em parte porque as autoridades russas continuaram a rejeitar todas as acusações. Em parte porque os meios de comunicação patrocinados pelo governo russo ao operar no exterior, inundou o mundo com mentiras descaradas sobre a situação política e a guerra na Ucrânia. Em parte porque nenhum país queria confrontar a Rússia – é bastante desconfortável opor-se a um estado com armas nucleares. Em parte porque a maioria dos países preocupava-se mais em continuar o seu comércio com a Rússia do que com as mortes e com o sofrimento de cidadãos ucranianos. No entanto, não devemos julgar os outros – queremos apenas explicar o que nos fez começar a procurar provas indiscutíveis do envolvimento militar russo.
O que recolhemos
A Comunidade InformNapalm decidiu desmascarar as falsas alegações russas e reforçar a verdade com provas concretas do envolvimento militar russo na Ucrânia. Usamos principalmente fontes abertas de informação – sites oficiais, relatórios, vídeos, imagens de satélite e publicações nas redes sociais – para recolher o quadro completo das actividades militares russas e apresentá-lo à comunidade internacional.
O nosso banco de dados de unidades militares russas identificadas na Ucrânia é o resultado de muitos anos de trabalho, e continuamos a actualizar os nossos dados e adicionar os novos registos de crimes de guerra cometidos por militares russos profissionais na Ucrânia. Até o momento, comprovámos a participação de 101 unidades militares russas na guerra da Ucrânia. Cada registo possui um link para uma investigação detalhada por trás de cada caso. Portanto, podem, não apenas navegar no banco de dados, mas também seguir a linha lógica de exposição do crime.
Como navegar pela nossa base de dados
De momento a nossa base de dados referente às unidades da Federação Russa envolvidas no conflito só está disponível nos seguintes idiomas: Ucraniano, Inglês, Búlgaro, Alemão, Checo e Russo.
Como usar esta base de dados: podem simplesmente examinar todos os cartões de dados de cada unidade militar e clicar em diferentes links para investigações da InformNapalm para obter os detalhes. A base de dados contém mais de 200 cartões de dados de unidades russas, por isso não se esqueçam de clicar em “Carregar mais”, se quiserem ver todos os registos.
Como usar o mapa interactivo: podem clicar em qualquer ponto colorido para ver mais informações sobre as unidades identificadas. Observem que todas as unidades são coloridas de acordo com o tipo militar a que pertencem. Cliquem na lista suspensa “Colorido por tipo militar” para visualizar a legenda. Podem igualmente selecionar “Explorar” para acessar opções avançadas, como filtragem.
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