
Publicamos uma análise aprofundada de informações sobre toda a situação referente ao COVID-19 em Donbass, publicada no site ucraniano Tyzhden.ua no dia 8 de Maio de 2020. A análise foi preparada pelo fundador da comunidade voluntária internacional de informação OSINT InformNapalm Roman Burko.
De que modo o governo das “repúblicas populares” espalha informação falsa sobre o COVID-19 e castiga pessoas por “terem espalhado desinformação sobre o coronavírus”
- Nota do tradutor:
*ДНР em russo: Донецкая народная республика, a autoproclamada República Popular de Donetsk, RPD, é o nome dado a uma parte da região de Donetsk, ocupada pela Federação Russa desde Abril de 2014.
*ЛНР em russo: Луганская народная республика, a autoproclamada República Popular de Luhansk, RPL, é o nome dado a uma parte da região de Luhansk, também ocupada pela Federação Russa.
Os escrutínios organizados nas duas regiões foram denunciados pela Ucrânia, União Europeia e comunidade internacional em geral, que não reconhecem os resultados. As duas “repúblicas” separatistas do leste ucraniano proclamaram unilateralmente a “independência” na primavera de 2014 e admitem uma integração a prazo na Federação Russa.
As “Repúblicas Populares” só foram reconhecidas pela Ossétia do Sul, que, por sua vez, não é reconhecida nem pela ONU, nem pela União Europeia e Estados Unidos.
A disseminação do COVID-19 tornou-se não apenas um teste para o mundo inteiro, mas também uma nova razão para a criação de inúmeras falsificações e manipulações contra a Ucrânia pela Federação Russa e grupos armados híbridos controlados pelo Kremlin em Donbass. Os territórios ocupados já foram atingidos pela propaganda russa e a pandemia de coronavírus complicou ainda mais a vida de pessoas que continuam a ser reféns da grave situação por parte das tropas russas e pelos grupos armados ilegais que simplesmente imitam ser “repúblicas populares” há seis anos.
Como funciona a “legislação COVID-19” nos ORDLO em termos de desinformação
- Nota do tradutor:
*ORDLO: abreviatura que significa “os territórios temporariamente ocupados da Ucrânia (em ucraniano, окремі регіони Донецької та Луганської області, тимчасово окупована територія України) é um termo administrativo na lei ucraniana designado para descrever partes das regiões de Donetsk e de Luhansk, controladas pela Federação Russa como resultado da guerra em Donbass.
A actividade legislativa em alguns distritos ocupados das regiões de Donetsk e de Luhansk parece uma paródia, o que demonstra mais uma vez quão verdadeiramente “independentes” de Moscovo essas entidades são.
Por exemplo, nas zonas chamadas de “RPD” e “RPL”, foram adoptadas, com a diferença de um mês após a Duma Estatal, emendas ao Código Penal, onde se fala sobre penalidades e enormes multas por espalhar falsificações sobre o coronavírus (arquivo).
Assim, a soma da coima e o prazo do trabalho correcional bem como do termo de prisão, são completamente idênticas tanto na Federação Russa quanto nos ORDLO, de 300 mil a 2 milhões de rublos, dependendo das consequências da distribuição da informação que será definida como falsa.
E essa é uma interpretação bastante vaga, dado que as forças de ocupação russas podem usar essa “lei” como uma desculpa para perseguir cidadãos ucranianos e protagonizar actos verdadeiramente repressivos apenas por um comentário ou “post” numa rede social que exponha qualquer informação inconveniente sobre a extensão da infecção, as autoridades de ocupação ou factos de tragédias ocorridas.
Não há dúvida de que essa “lei” é direcionada contra os cidadãos e não afetará propagandistas dos meios de comunicação social controlados pelo Kremlin que continuam a produzir informações falsas relacionadas com o COVID-19.
Por exemplo, no seu relatório de 25 de Abril, Dmitry Astrakhan, “porta-voz oficial” dos militantes da “RPD”, publicou uma eloquente informação falsa referida nos canais de TV locais e canais russos de que “o COVID-19 foi inventado nos laboratórios biológicos da Ucrânia”. Essa informação foi imediatamente captada e divulgada activamente pelos média russos.
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Жаль, что этот #фейк в #днр озвучили 25.04 и опередили новый “закон” про “криминализацию распространения ложной информации о #COVID19“, вступивший в силу 6.05. Конечно, этот “закон” писали под заложников, а не боевиков на #Донбасс`е, чтоб они молчали про масштабы эпидемии в ОРДЛО pic.twitter.com/PJ4gEMX0Cc
— Roman Burko (@newsburko) 6 травня 2020 р.
Temos mais um exemplo: a 4 de Maio, enquanto dava o seu próprio briefing, Yakov Osadchiy, o “representante oficial do serviço de imprensa” dos militantes da “República Popular de Luhansk”, divulgou informações erradas de que a 59ª Brigada de Infantaria Motorizada das Forças Armadas da Ucrânia foi evacuada da área de Operação das Forças Conjuntas porque, segundo ele, 79% do pessoal, mais de 1.500 militares estariam infectados com o COVID-19. O serviço de imprensa da 59ª Brigada das Forças Armadas da Ucrânia negou essa informação e acrescentou que actualmente não há infectados com coronavírus na brigada, e as rotações de unidades militares foram realizadas de acordo com os planos previamente aprovados.
Suscita interesse onde os militantes e os seus coordenadores russos conseguiram a soma de “1.500 militares”? É claro que o número de pessoas poderia simplesmente ter sido inventado, mas é possível que tenha sido a, já habitual tentativa de reflectir as informações que a comunidade internacional de voluntários InformNapalm publicou há uma semana atrás, no dia 27 de Abril no artigo: “No exército da Federação Russa foram encontrados mais de 1.500 casos de COVID-19”. Mas, ao contrário das falsificações divulgadas pelos militantes na zona ocupada, esses dados da InformNapalm sobre o exército russo eram oficiais e referiam-se aos boletins do Ministério da Defesa da Rússia.
Matemática contra desinformação
Obviamente que, dependendo do número de testes de coronavírus feitos, quaisquer dados sobre o montante de infectados podem ser subestimados e podem não reflectir a verdadeira imagem da epidemia.
Mas, na ausência de dados alternativos convincentes, é necessário contar com fontes oficiais. Seguidamente, os leitores podem avaliar e comparar a escala do problema na Rússia e na Ucrânia.
Até dia 7 de Maio, mais de 177.000 infectados com COVID-19 foram registados (casos confirmados) na Rússia, enquanto no exército russo, de acordo com estatísticas oficiais publicadas pelo Ministério da Defesa da Rússia, foram identificados cerca de 2.700, entre os quais 1.506 casos nas forças armadas e 1182 entre cadetes e estudantes das instituições militares de ensino superior. Isso refere-se a cerca de 1,53% do número total de cidadãos infectados na Federação Russa.
Na Ucrânia, até dia 8 de Maio, foram registados 14.195 casos no total. De acordo com o Serviço Médico das Forças Armadas da Ucrânia, 29 pessoas sofrem de COVID-19 e outras 53 já recuperaram, ou seja, um total de 82 pessoas que pode ser usado para calcular a proporção – isto é aproximadamente 0,6% do total do número de cidadãos da Ucrânia que estão actualmente doentes ou estiveram doentes com coronavírus.
Tentemos calcular qual seria a percentagem se, de repente as informações dos propagandistas russos fossem confiáveis apenas sobre uma Brigada das Forças Armadas, mesmo sem ter em consideração todas as Forças Armadas.
Então, a proporção de 13691 : 1500 indicaria que quase 11% dos infectados seriam militares (contra 1,53% na Rússia). Matemática simples de dados públicos que já dá uma idéia e ajuda a desmascarar “em dois passos” falsificações referentes aos ORDLO, mesmo que não se tenha em conta desmentidos oficiais.
A situação com COVID-19 nos ORDLO e “a quarentena ao modo russo”
Por razões objectivas, é difícil estimar a verdadeira extensão da incidência de coronavírus nos ORDLO, porque as forças de ocupação russas estão a evitar que as organizações internacionais consigam recolher informações. Quase todos os relatórios da Missão Especial de Monitorização na Ucrânia (SMM) da OSCE desde o início da quarentena referem-se a casos de proibições de movimento por membros de grupos armados ilegais, que explicam essas restrições devido a medidas de quarentena por causa do COVID-19. Portanto, a SMM não pode avaliar o estado real da epidemia nos territórios ocupados.
Acrescentamos que a 20 de Março, a comunidade voluntária internacional de informação OSINT InformNapalm publicou uma análise dos obstáculos que a Federação Russa faz contra às actividades da Missão Especial de Monitorização da OSCE em Donbass durante o primeiro trimestre de 2020. O artigo foi traduzido em 8 idiomas. A 25 de Março, a União Europeia também respondeu no seu site oficial às ações ilegais de mercenários russos em Donbass. A UE enfatizou que a Federação Russa e os grupos armados ilegais que a Rússia apoia devem garantir o movimento sem impedimentos da SMM da OSCE, da Cruz Vermelha e de outras organizações internacionais através da linha de contacto. A 30 de Março, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e de França também expressaram publicamente a sua preocupação com os obstáculos à actividade da SMM da OSCE, que os grupos armados ilegais de “RPD” e “RPL” criam constantemente, usando a disseminação do COVID-19 como pretexto formal.
Porém, embora actualmente seja impossível avaliar a verdadeira escala da epidemia em Donbass, as condições de quarentena ditadas pelo Kremlin no Donbass ocupado sugerem o quão agressivamente a doença pode se espalhar nos ORDLO. Hoje em dia não há cura ou vacina para o COVID-19; portanto, o mundo inteiro presta atenção ao auto-isolamento e impõe certas restrições de quarentena ao movimento de cidadãos considerado-as a única maneira eficaz de localizar a propagação da doença. E aqui vale a pena mencionar as restrições que se aplicam entre a Federação Russa e alguns territórios ocupados das regiões de Donetsk e Luhansk.
A 17 de Abril, a InformNapalm chamou a atenção para a deslocação das tropas de proteção anti-radiação, de proteção contra ameaças química e biológica nos territórios ocupados pela Rússia devido à pandemia do COVID-19. De acordo com os dados do Ministério de Territórios Temporariamente Ocupados e Deslocados Internos da Ucrânia, cerca de 120 militares russos que fazem parte das tropas especiais acima mencionadas, e pertencem à Divisão do Distrito Militar do Sul da Federação Russa, estão presentes rotativamente, nos territórios temporariamente ocupados.
De acordo com várias estimativas, cerca de 10 a 15.000 mercenários, militares e profissionais russos, cidadãos da Federação Russa, estão constantemente presentes nos territórios ocupados de Donbass como conselheiros militares ou como reforço de grupos armados ilegais. As rotações ocorrem periodicamente, e alguns grupos de franco-atiradores chegam a Donbass como a um “safári” (nota do tradutor: é assim que denominam a operação militar na Ucrânia), após o qual retornam à Rússia.

Mikhail Mishustin (à esquerda). Desde 16 de Janeiro de 2020 – Primeiro-Ministro da Federação Russa. No dia 30 de Abril de 2020, a sua actividade foi suspensa devido à doença (COVID-19). Em vez de Mishustin, Andrei Belousov foi nomeado para exercer o poder de Primeiro-Ministro interino da Federação Russa.
A 16 de Abril Mikhail Mishustin assinou o Decreto n.º 1031-r, segundo o qual expandiu a lista de pessoas autorizadas a atravessar a fronteira durante a quarentena.
Diz-se no Decreto que o direito de atravessar a fronteira foi dado a militares e civis que se deslocam às bases russas situadas no estrangeiro.
Também o seu Decreto anterior n.º 763-r de 27 de Março, declara que os cidadãos da Federação Russa que residem permanentemente em certas áreas das regiões de Donetsk e Luhansk, na Ucrânia, podem atravessar a fronteira da Federação Russa, se tiverem passaporte de cidadão da Federação Russa.
E aqui vale a pena mencionar que somente em 2019 em Donbass, sob um “procedimento simplificado”, foram emitidos quase 200 mil passaportes da Federação Russa. Ou seja, o tráfego que atravessa a fronteira entre a Rússia e os ORDLO, mesmo durante o período de quarentena, quase não é limitado. Portanto, “trabalhadores” militares russos e cidadãos da Federação Russa, registados na região ocupada de Donbass, entram nos ORDLO sem impedimentos, sem restrições de quarentena. E é provável que sejam a principal fonte de COVID-19, dada a escala de infecção na Rússia.
A pergunta que se coloca é a seguinte: se as autoridades do Kremlin entenderam esses riscos ao emitir ordens para atravessar a fronteira com os ORDLO? Provavelmente, sim.
Mas a transferência de mercenários, ou a rotação das forças armadas em Donbass é uma prioridade mais alta para a Rússia do que cuidar da saúde dos civis que realmente foram feitos reféns da situação.
Assim, a Rússia, como país ocupante, como país agressor, mais uma vez viola Convenções de Genebra e expõe a população dos territórios ocupados a perigos adicionais, devido a políticas mal consideradas do Kremlin, criando conscientemente condições para a fácil disseminação de doenças e infecções da população local de Donbass.
A análise foi preparada por Roman Burko para o jornal ucraniano Tyzhden.ua
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Tradução: Helena Sofia da Costa.
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