Desde o início de Junho de 2020, nota-se que está activa mais uma operação de desinformação contra a Ucrânia organizada pela Federação Russa em Portugal, que possui mensagens e narrativas típicas da famosa propaganda russa.
Os voluntários da InformNapalm, que fazem parte da comunidade ucraniana em Portugal, notaram sinais desta falsa e intensa propaganda quando três artigos anti-ucranianos foram publicados simultaneamente no jornal Público considerado como a “melhor fonte de informação”.
“A Ucrânia é hoje um dos principais pólos de atracção para a extrema-direita internacional e quase quatro mil estrangeiros de 35 países já receberam treino e combateram nas fileiras de milícias na Guerra Civil Ucraniana.” – escreve-se num dos artigos.
Além disso, a página oficial do Público no Facebook continua a publicar repetidamente esta falsa informação.
Prefácio
A 27 de Março de 2014 foi adoptada a Resolução A/RES/68/262 da Assembleia Geral da ONU como resultado da consulta aberta na reunião plenária 80 da sessão 68 da Assembleia Geral da ONU. A resolução foi apoiada por 100 membros das Nações Unidas incluindo Portugal. A sessão mencionada foi convocada especialmente para
tratar da questão da ocupação e anexação ilegal a Crimeia e Sebastopol, e a Resolução adoptou o título de “Integridade territorial da Ucrânia”.
Tendo em conta as suas anteriores resoluções e as da ONU, o Parlamento Europeu, na sua Resolução de 12 de Maio de 2016 condenou categoricamente a Federação Russa confirmando esta como um estado ocupante, um estado agressor, ao arrepio do Direito internacional, incluindo da Carta das Nações Unidas, da Ata Final de Helsínquia, do Memorando de Budapeste de 1994 e do Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria entre a Federação Russa e da Ucrânia de 1997.
Em Janeiro de 2015, o Parlamento da Ucrânia aprovou uma declaração que definiu a Rússia como um “Estado agressor”, que por sua vez, pode abrir caminho para consequências sob a legislação internacional, e pediu por mais ajuda internacional e sanções mais duras contra Moscovo.
A 8 de Novembro de 2019, o Tribunal Internacional de Justiça da ONU emitiu uma decisão completa reconhecendo a sua jurisdição no caso de violação pela Rússia de duas convenções, nomeadamente, a Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo (1999) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965).
As acusações contra a Rússia incluem: fornecimento de armas e munição e outra assistência a grupos armados ilegais em Donbas; queda do avião da Malaysia Airlines, MH17; bombardeamento de áreas residenciais de Mariupol e de Kramatorsk; destruição de uma camioneta civil com passageiros perto da cidade de Volnovakha e muitos outros crimes similares.
Os voluntários da comunidade internacional de informação OSINT, InformNapalm, muitas vezes deram informação e provas da agressão russa, apresentando a sua base de dados interactiva. Os resultados da OSINT obtidos pela InformNapalm, foram apresentados pelos delegações oficiais ucranianas nas sessões da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, da OTAN e OSCE.
Jornalistas e políticos a serviço do Kremlin?
Jornalistas devem chamar os bois pelos nomes e não manipular dados e conceitos.
O uso de informação falsa, de termos incorretos, bem como autênticos exageros e afirmações simplesmente erradas são ferramentas da Era da Pós-verdade, na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os factos objectivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais.
A Rússia é um país agressor, e este facto tem sido repetidamente mencionado nas resoluções de organizações internacionais do mais alto nível. A Rússia invadiu a Ucrânia e continua a fazer guerra contra a Ucrânia em Donbas, usando a terminologia distorcida como uma ferramenta eficaz para a guerra híbrida. A propaganda russa também é bastante activa na UE. Um dos factos bem conhecidos é o financiamento pelo Kremlin de partidos e grupos radicais, de extrema direita assim como extrema esquerda, em vários países.
Uma das agências responsáveis por espalhar propaganda russa, por desenvolver o “soft power” russo e “a Rossotrudnichestvo” criada em 2000. Após seu surgimento, Putin utilizou o termo “poder suave” na sua campanha eleitoral em 2012. Os lobistas do Kremlin estão também activos em Portugal, às vezes a operar abertamente, e o que é pior, às vezes clandestinamente, a esconderem-se atrás dos nomes de “organizações públicas não-estatais ucranianas”. Os “ataques de informação” têm sido realizados regularmente e, até, por vezes, o chamado “Regimento Imortal” provoca confrontos físicos nas ruas de Lisboa.
As actividades de propaganda do Kremlin não se limitam a isso. As acusações contra ucranianos de fascismo, nazismo e neonazismo são periodicamente trazidas à atenção de público. Um exemplo impressionante é Mamadou Ba, conhecido em Portugal por seus comentários racistas, o dirigente do SOS Racismo, uma organização supostamente criada para “combater o racismo”.
Mamadou Ba é um ex-assessor do Bloco de Esquerda, onde ocupava o cargo de assessor no Parlamento Português. Na página dele o Sr Mamadou Ba avisou os portugueses a serem cuidadosos, a dizer que “a cidade de Lisboa está infectada de nazis ucranianos. Não andem sozinhos, nem em sítios desprotegidos.”
A comunidade ucraniana em Portugal respondeu ao ataque demonstrando o seu repúdio a estas afirmações e escreveu uma carta aberta e uma carta de reclamação ao Parlamento. Porque, naquela altura, o Senhor Mamadou Ba era uma pessoa que, como legislador, decidía de que forma 36.000 ucranianos residentes em Portugal, passarão a viver em terras portuguesas.
Segundo as estatísticas, em 2012 havia 44.074 ucranianos em Portugal, nos anos seguintes, muitos deixaram o país. De acordo com dados oficiais mais recentes, publicamente disponíveis, em 2017, viviam em Portugal 32.453 ucranianos.
Existem 273.600.000 Lusófonos, pessoas cuja língua materna é o Português, portanto, as operações de guerra de informação do Kremlin no mundo de língua portuguesa representam uma grande ameaça para a Ucrânia. Portanto, partilhar informação em português é importante no contexto da oposição informacional à agressão russa. Em conexão com o acima exposto, a comunidade voluntária internacional de informação OSINT InformNapalm, também tem uma versão do site em português, a qual se está a manter activa.
Antes da intensificação da campanha de informação anti-ucraniana em Portugal, no início de Junho de 2020 um dos primeiros sinais alarmantes foi um artigo de Giulia Fontes, publicado nos meios de comunicação brasileiros a 1 de Junho.
Fotografia: Leo Orestes/Estadão Conteúdo
Dizia-se no artigo que, em São Paulo, manifestantes pró-Bolsonaro supostamente apareceram com um tridente, semelhante ao que aparece no brasão da bandeira da Ucrânia, e com bandeiras ucranianas em vermelho e preto que segundo a autora, são “símbolos extremistas”.
O embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostislav Tronenko, em entrevista à CNN explicou que se trata de uma “bandeira histórica” e simboliza a terra fértil da Ucrânia e o sangue que os ucranianos derramaram na luta pela sua soberania. Enquanto o tridente, de acordo com a sua interpretação, significa a Santíssima Trindade, um tributo à memória do Príncipe Volodymyr desde o século X, que levou o cristianismo para a Ucrânia.
Ao contrário do que afirma o diplomata ucraniano, a jornalista Giulia Fontes negou que esta era uma bandeira ucraniana e insistiu que esses símbolos supostamente pertencem exclusivamente ao “Sector da Direita” (em ucraniano: Правий Сектор) e são, na opinião da jornalista, “extremistas”.
Não demorou muito tempo para o ataque de informação ocorrer em Portugal. No domingo, dia 21 de Junho de 2020, um dos jornais mais populares em Portugal, o jornal Público, publicou ao mesmo tempo três artigos, nos quais a Ucrânia é considerada como “um dos principais pólos de atracção para a extrema-direita internacional” onde se pode receber treino e combater nas fileiras de milícias na Guerra Civil Ucraniana” (veja o PDF com essas publicações em anexo).
O autor desses artigos é Ricardo Cabral Fernandes, apoiante da extrema esquerda (Bloco de Esquerda).
Todos os três artigos são semelhantes em género, em estilo, na forma de usar definições incorretas, manipular, enfatizar subjectivamente o que é que o jornalista acha verdadeiro, e de interpretar mal os factos para os vender ao público. Todos os três merecem atenção. Tomemos como exemplo, uma das publicações intitulada “Ucrânia, o campo de treino militar para a extrema-direita mundial”.
Citações:
“A Ucrânia tornou-se para a extrema-direita o que a Síria foi para o Daesh.”
“Militantes recebem treino, melhoram tácticas e técnicas e estabelecem redes internacionais, e depois regressam aos seus países.”
“Milhares de estrangeiros combateram em milícias contra os separatistas pró-russos no Leste do país.”
“…quase quatro mil estrangeiros de 35 países já receberam treino e combateram nas fileiras de milícias na Guerra Civil Ucraniana.”
Apesar de vários documentos internacionais que definem a guerra no leste da Ucrânia como agressão russa, a intervenção militar russa na Ucrânia (em inglês: Russo-Ukraine War), o jornalista está a promover activamente a narrativa do Kremlin sobre a “guerra civil” em Donbas no espaço de informação português.
A utilização de factos falsos que não têm nem provas nem base em evidências, também é inerente ao autor desses artigos anti-ucranianos:
“…o Regimento Azov, transformou-se num alargado movimento, criou um Estado dentro do Estado ucraniano, estendeu tentáculos por toda a Europa e quer criar uma Legião Estrangeira ucraniana “, – continua o Senhor Ricardo Cabral Fernandes a promover mais uma narrativa do Kremlin. Quais são as fontes desta informação?
Mas as manipulações não terminaram aí, ao contrário, tornaram-se ainda mais profundas. Ricardo Cabral Fernandes até comparou a Ucrânia ao Estado Islâmico do Iraque e da Síria (DAESH). Para reforçar a sua manipulação, o jornalista usou referências a Jason Blazakis, um especialista que se concentra no financiamento de ameaças, sanções, extremismo violento e pesquisas relacionadas com operações especiais e que dirige pesquisas sobre terrorismo doméstico, financiamento do terrorismo, recrutamento, propaganda e uso de operações especiais para combater ameaças transnacionais.
O jornalista escreveu como se Blazakis tivesse, alegadamente, dito que a Ucrânia está a agir agora da mesma maneira que o DAESH, quando este último conseguiu treinar com grande successo assassinos extremistas na Síria, e que a Ucrânia é um campo de treino ideal para terroristas porque é “a porta traseira da União Europeia”.
Não encontramos as fontes originais de tal interpretação. Talvez essa interpretação por parte do jornalista seja também mais uma tentativa de desviar a atenção das definições recentes adoptadas pelos Estados Unidos referentes aos movimentos radicais de extrema-direita russos que recrutaram militantes para a guerra em Donbass.
Curiosamente, Ricardo Cabral Fernandes também dá conotações negativas aos eventos da Revolução da Dignidade que teve lugar em Maidan, na cidade de Kyiv e chama esses eventos usando um termo do Kremlin – “golpe contra o presidente em exercício Yanukovych”.
O facto de que este tipo de informação foi escrita por um jornalista português é desagradável, mas é compreensível, pois, ninguém ainda cancelou o factor humano.
O mais preocupante é o facto de todos esses artigos terem sido publicados no jornal Público, cuja reputação não havia aindas sido manchada por ser “porta-voz do Kremlin”.
A Embaixada da Ucrânia na República Portuguesa, representada pela Embaixadora Inna Ohnivets, dirigiu-se às instituições portuguesas e à comunidade em geral, expressando profunda indignação com a apresentação de informações falsas em um dos jornais mais populares.
Os ucranianos residentes em Portugal e que continuam a assumir uma posição pública activa também prepararam uma Carta Aberta à Assembleia da República para chamar a atenção para publicações da informação falsa que, em vez de seguir a princípios fundamentais do jornalismo, como verdade e precisão, independência, justiça e imparcialidade, promovam narrativas tendenciosas do país agressor, a Rússia, o que, per se, é prejudicial não apenas para a Ucrânia, mas também é uma ameaça à reputação política de Portugal, que forneceu e até agora continua a dar apoio político à Ucrânia na sua luta pela soberania e independência.
Por exemplo, Portugal é um dos países que reconheceu o Holodomor como genocídio. Portugal também votou a favor no Conselho do Atlântico Norte, por conseguinte, a 12 de Junho de 2020, o Conselho do Atlântico Norte reconheceu a Ucrânia como um parceiro de oportunidades aprimoradas.
Esse status faz parte da Iniciativa de Interoperabilidade de Parceria da OTAN, que visa manter e aprofundar a cooperação entre Aliados e parceiros que fizeram contribuições significativas para operações e missões lideradas pela OTAN.
Desde 12 de junho de 2020, a Ucrânia é um dos seis países (conhecidos como ‘Parceiros de Oportunidades Reforçadas’) no âmbito da Iniciativa de Interoperabilidade em Parceria) que fazem contribuições particularmente significativas para as operações da OTAN e outros objetivos da Aliança.
Tradução: Helena Sofia da Costa. Distribuição e partilha com referência à fonte são bem-vindas!
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