Vladimir Putin continua a trabalhar diligentemente na criação da sua própria “boa imagem” há muito tempo. Para este, não basta ser presidente do maior estado, Putin quer parecer o líder de todo o espaço pós-soviético, bem como o “coletor de terras” do “maior povo dividido”, referindo-se aos russos. Putin gosta de pensar na insolvência, ou seja, na falha do Estado dos países vizinhos, de contar o dinheiro de outras pessoas e no produto interno bruto, PIB dos outros países, e está preocupado com os problemas da identidade nacional de povos fora da Rússia. O presidente estrangeiro dá conselhos não solicitados sobre como devemos viver.
A 12 de Julho de 2021 um artigo assinado por Vladimir Putin “Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos” foi publicado no site oficial do Presidente da Federação Russa. Sem entrar em detalhes, este texto pode ser descrito como um conjunto de banalidades mescladas com velhas teses da propaganda anti-ucraniana. No entanto, até agora, essas teses foram retransmitidas por pessoas com um nível inferior de responsabilidade social e política.
Não é claro com que propósito o artigo de Putin também foi publicado por autoridades russas em ucraniano. Se ficou claro no original russo que os assessores de Putin não conheciam os factos sobre a história da Ucrânia, a versão em ucraniano mostrou uma completa falta de tradutores competentes naquele país. O primeiro e único texto em ucraniano no site oficial do Presidente da Federação Russa atesta uma coisa só: obviamente, a ucrainofobia impede-os de serem bons especialistas em estudos ucranianos.
Como o presidente russo está muito interessado na questão nacional, decidi abordar o tema e expressar a minha opinião sobre a situação dos povos indígenas na própria Federação Russa. Além de tudo, frequentemente ouvimos oradores do estado vizinho a comparar o “próspero” Tartaristão, como parte da Federação Russa, com a “miserável e desfavorecida” Ucrânia independente.
Respeito sinceramente o povo tártaro e desejo-lhe um destino melhor. Não vou imitar Putin, alegando “a unidade histórica de ucranianos e tártaros”. No entanto, a Ucrânia e o Tartaristão realmente têm muito em comum. Os tártaros, como os ucranianos, têm uma longa e gloriosa história na qual vemos governantes, guerreiros e artistas proeminentes. Durante muito tempo, ucranianos e tártaros viveram juntos num império, o qual suprimiu o desejo de independência desses povos. Como qualquer império, a Rússia recorreu ao método do louvor e punição. Alguns ucranianos e tártaros foram exterminados, presos e expulsos. Outros foram seduzidos por altos cargos, fama e fortuna. É claro que os bens imperiais eram fornecidos em troca da lealdade e renúncia ao próprio Ego nacional.
No início do século XX, ucranianos e tártaros criaram as suas repúblicas quase simultaneamente. Não foi uma coincidência, não foi um capricho de alguém, mas a realização do desejo do povo de viver livremente no seu próprio estado. A Ucrânia teve então mais sorte do que o Tartaristão. Os nossos caminhos históricos são divididos pela geografia. Como a Ucrânia, o Tartaristão tinha todas as razões para ser uma república soviética plena, não uma república autónoma: em termos de área, população e nível de desenvolvimento social e político. No entanto, a política nacional de Stalin impôs outro requisito fundamental para a formação de uma república soviética: ter uma fronteira comum com o mundo exterior. A Ucrânia tinha essa fronteira, o Tartaristão não. Assim, após o colapso da URSS, Kyiv tornou-se a capital de um estado independente, e Kazan, apesar do seu grande desejo, não o conseguiu.
No seu artigo, Putin mencionou “o muro” que surgiu entre a Ucrânia e a Rússia nos últimos anos. É necessário perceber que Putin construiu o muro com as próprias mãos quando lançou uma agressão armada contra o meu país. Infelizmente, o muro de Putin também separou a Ucrânia dos tártaros do Tartaristão e outros povos indígenas da Federação Russa. Em 2014, vários cidadãos russos, incluindo tártaros, buriates, chechenos e ossétios, entraram em terra ucraniana mas vieram a nós não como convidados, mas como invasores.
Lembramos-nos, quando tudo começou, das “missões” à Crimeia do Presidente do Tartaristão, Sr. Minnikhanov. Também nos lembramos das recentes viagens aos territórios ocupados no leste da Ucrânia do Sr. Khabirov, líder da Bashkiria. Vimos a infantaria motorizada de Khankala na nossa cidade de Dzhankoi e tanquistas de Ulan-Ude na nossa cidade de Debaltseve. Estamos a monitorizar os processos em curso na Crimeia ocupada, por isso sabemos que foram os tártaros de Kazan que tomaram ilegalmente o estaleiro em Kerch. Este é o estaleiro onde o navio almirante da frota ucraniana foi construído em 1992, a fragata “Hetman Sahaidachniy”.
Apesar de tudo isso, os ucranianos não guardam nenhum rancor contra os povos da Rússia. Percebemos que os tártaros e outros são reféns e instrumentos da política imperial de Moscovo. Assim como os ucranianos já foram reféns e instrumentos durante as intervenções soviéticas na Hungria (1956), Checoslováquia (1968) e no Afeganistão (1979-1989).
Por fim, a agressão de Putin contra a Ucrânia retorna aos povos da Rússia como um boomerang. A manutenção dos territórios ocupados pesou sobre os orçamentos das repúblicas. No ano passado, um dos líderes do grupo terrorista da chamada “DNR” (“República Popular de Donetsk”) foi nomeado chefe da administração de Elista, capital da República da Calmúquia. Este “líder” não tem nenhum conhecimento sobre esta república, sobre os calmucos e seus problemas. A nomeação causou uma ressonância considerável. Todos nos lembramos das palavras do activista calmuco Sanal Molotkov durante um protesto, proferidas por este último em ucraniano e referente àquele “líder”: “Você desprezou a língua ucraniana, você destruiu a língua ucraniana no Donbas. Você veio para Elista, para a Calmúquia para destruir a língua calmuca? Você respeita a língua calmuca?”
Voltando aos problemas da República da Calmúquia. Já em 2021, os seus cidadãos realizaram um congresso nacional em Elista, no qual acusaram o Kremlin de um etnocídio oculto. Entre outras coisas, reclamaram que Calmúquia continua sendo a região com a menor disponibilidade de água em toda a Rússia. Claro, Putin fingiu não ouvir os calmucos, porque ele próprio usa o tema da escassez de água potável na Crimeia ocupada para pressão internacional sobre a Ucrânia. As menções ao colapso da água na Calmúquia são extremamente inconvenientes para o ocupante e, portanto, inaceitáveis.
Os ucranianos não são mais um instrumento de um império estrangeiro, agora são responsáveis pelos seus próprios actos e determinam o seu próprio destino. Felizmente, a Ucrânia já deixou para trás os crimes do regime totalitário, que Putin tenta justificar, chamando-os de “tragédias comuns para nós”. Mas hoje em dia o presente dos povos da Federação Russa é trágico, bem como meio século antes.
O presidente da Federação Russa argumenta que, como resultado da “divisão artificial” entre russos e ucranianos, o povo russo pode diminuir em centenas de milhares, ou até mesmo milhões. Mas o que está a acontecer no próprio país de Putin? Os censos russos mostram um declínio inexorável por parte de ucranianos na população da federação. A des-ucranização está a ser realizada de forma ainda mais severa na Crimeia ocupada.
Certa vez, num programa em directo, o presidente russo fez uma analogia entre ucranianos e russos de um lado, e entre érzia e moksha, os povos indígenas da Federação Russa, do outro. Observou que, embora a língua érzia difira mais do moksha do que o ucraniano do russo, os povos érzia e moksha “valorizam a sua unidade” e consideram-se um “único povo”, os mordovianos. Infelizmente, Putin esqueceu-se de acrescentar que, de acordo com estatísticas oficiais russas, o número de érzia e de moksha caiu de um milhão para meio milhão nos últimos 30 anos. A posição das línguas moksha e érzia, que são línguas estatais na República da Mordóvia, é simplesmente catastrófica, mesmo em comparação com os tempos soviéticos.
A situação com a língua tártara na Rússia também é preocupante. Somente no período entre os censos de 2002 e 2010, o número de falantes do tártaro diminuiu num milhão. O declínio das línguas dos povos da Federação Russa não é um processo natural, nem “uma tragédia comum para nós”. Este é o resultado da russificação, uma política deliberada de Moscovo que visa destruir a diversidade étnica e desmantelar o federalismo na Rússia.
Em 2018, a Duma Federal alterou a lei federal “Sobre a Educação”, segundo a qual as línguas estaduais das repúblicas nacionais da Federação Russa deixaram de ser obrigatórias para o estudo em instituições de ensino geral. Para estudar a língua érzia na escola, mencionada por Putin, os pais dos alunos devem escrever um requerimento dirigido ao director. No entanto, em vez de cumprir o seu direito à educação na sua língua nativa, os alunos e pais são frequentemente submetidos a pressões administrativas, humilhação pública e violência. Durante anos, os cidadãos têm tentado sem sucesso fazer com que as autoridades abram um liceu érzia na capital da Mordóvia, Saransk.
O povo tártaro de vários milhões não tem uma única universidade tártara. No seu discurso ao Parlamento do Tartaristão em 2018, o presidente Rustam Minnikhanov garantiu que os tártaros finalmente terão sua própria universidade. Mas Moscovo é inflexível nos seus esforços para desencorajar a ascensão dos tártaros como nação. Kazan não apenas não teve permissão para construir uma universidade tártara com seu próprio dinheiro, mas o uso do tártaro na educação escolar é artificialmente limitado. A realidade força os professores tártaros a deixarem os seus empregos ou começarem a ensinar outras disciplinas. Em Março de 2019, o ministro da educação do Tartaristão, Rafis Burganov, ordenou que 1.200 professores da língua tártara fossem submetidos a uma requalificação profissional para leccionarem outras disciplinas.
O governo federal intervém até mesmo nos assuntos profundamente pessoais das culturas dos povos autóctones. Ao contrário da posição dos linguistas do Tartaristão e da Carélia, o alfabeto latino foi directamente proibido por Moscovo como base gráfica para as línguas estaduais das repúblicas da Federação Russa.
Não só Vladimir Putin, mas também representantes dos povos autóctones da Federação Russa estão bem cientes de que o desaparecimento de uma língua é o caminho directo para o desaparecimento de um povo. É por isso que a exclusão das línguas nacionais dos programas da educação escolar e de outras esferas públicas encontra resistência desesperada nas repúblicas. Apesar do terror da polícia, as pessoas vão a comícios em massa, organizam procissões, piquetes individuais, campanhas para recolher assinaturas.
A 10 de Setembro de 2019, o cientista udmurt Albert Razin cometeu um acto de autoimolação em frente ao Parlamento da República Udmurt. Antes de colocar fogo a si mesmo, segurou um cartaz com uma citação do poeta àvaro Rasul Gamzatov: “E se amanhã a minha língua desaparecer, então estou pronto para morrer hoje.”
Recentemente, a Verkhovna Rada da Ucrânia aprovou uma lei “Sobre os povos indígenas da Ucrânia”. Enquanto o poder de ocupação da Crimeia proíbe as actividades do Mejlis, a Ucrânia garante aos povos indígenas o direito de formar seus próprios órgãos representativos. Kyiv não atribui os seus representantes para os tártaros da Crimeia, não ordena quem eles devem escolher para exercer o poder, a quais crenças religiosas aderir ou qual alfabeto usar. Estou orgulhoso desta lei mas estou triste ao mesmo tempo. Estou orgulhoso de termos feito isso. Estou triste porque só fizeram isso agora.
* Mejlis Tártaro – o Congresso do Povo Tártaro da Crimeia (em Tártaro da Crimeia Qırımtatar Milliy Meclisi)
O presidente russo repetidamente comentou sobre a nossa lei, deu-nos sermões e ficou indignado. Putin não está satisfeito com o facto de os russos não terem sido reconhecidos como indígenas da Ucrânia. É difícil acreditar que tais afirmações surjam da ignorância. Na verdade, a lei afirma claramente que só os povos que não possuem o seu próprio estado é que podem ser considerados indígenas. Isso é o que a lei diz. Nem os russos nem os ucranianos são povos indígenas, de acordo com as normas escritas, porque realizaram o seu direito à autodeterminação criando os seus próprios Estados.
A propósito, de acordo com a lei russa, os russos também não são indígenas. Além disso, mesmo os tártaros não o são. Na legislação da Federação Russa, existe apenas o conceito de “pequenos povos indígenas”, atribuído a comunidades étnicas que preservam o seu modo de vida tradicional, tarefas domésticas e artesanato. Portanto, os comentários de Putin são mera hipocrisia, não uma indignação sincera.
Ao contrário da Rússia, a Ucrânia é um estado unitário. Mas isso não significa de forma alguma que seus cidadãos de diferentes origens étnicas estejam privados de seus direitos. Por exemplo, cerca de 150 mil cidadãos de origem húngara vivem na Ucrânia. Que direitos eles têm? Os húngaros têm os seus próprios partidos políticos e os seus próprios representantes nos órgãos governamentais locais, a língua húngara é ensinada em instituições de ensino, existe uma comunicação social independente em língua húngara, as sociedades nacionais e as organizações religiosas funcionam legalmente. Em locais onde os húngaros vivem de forma compacta, podem-se ver monumentos não apenas de escritores e compositores húngaros, mas também dos governantes da Hungria. Os povos fino-úgricos da Federação Russa têm algo semelhante? Os partidos políticos dos tártaros são permitidos, que são dez vezes mais populosos na Rússia do que os húngaros na Ucrânia? Se em algum lugar, como Putin disse, “uma mudança forçada de identidade” está a ocorrer, é na Rússia, não na Ucrânia.
No papel, a legislação russa é progressiva e democrática. A Rússia é uma federação. A maioria das repúblicas nacionais da Federação Russa tem o status de estados com suas próprias constituições, governos, parlamentos e amplos poderes. Na prática, essas são províncias sem poder. Nem sempre foi assim. Após o colapso da União Soviética, os povos da Rússia experimentaram um verdadeiro renascimento: eles declararam abertamente os seus próprios direitos políticos e culturais. Por meio da sua luta, lançaram as bases dessa ordem constitucional progressista, que agora está a ser castrada e desmantelada pelo regime de Putin.
No final do Séc. XX, o povo tártaro quase conseguiu realizar o seu sonho acalentado. A 30 de Agosto de 1990, o Tartaristão adoptou uma declaração sobre a soberania do estado da república e, a 24 de Outubro de 1991, surgiu um decreto “Sobre o Acto de Independência do Estado da República do Tartaristão”, cujas disposições foram confirmadas por um referendo.
O Tartaristão abandonou o tratado federal com a Rússia. Naquela época, o Tartaristão já tinha a sua própria Constituição, adoptada com base na Declaração sobre a Soberania do Estado da República do Tartaristão. A Declaração e a Constituição da República do Tartaristão receberam o apoio da maioria da população (61,4%) no referendo nacional de 21 de Março de 1992. No entanto, a ausência de fronteiras externas e a pressão económica de Moscovo ainda forçaram Kazan a fazer concessões e assinar um acordo bilateral sobre condições especiais. O Tartaristão tornou-se “um estado unido à Rússia”. O primeiro presidente do Tartaristão, Mintimer Shaimiev, ficou muito orgulhoso desse acordo, que tornou possível “preservar o estado e as boas relações com Moscovo”. No entanto, com o passar dos anos a soberania do Tartaristão era limitada e as exigências de Moscovo ao povo do Tartaristão aumentavam.
A situação de outros membros nacionais da federação russa são ainda piores do que no Tartaristão. Todos os chefes das outras repúblicas foram privados do status presidencial, de que desfrutavam na década de 1990. O Kremlin implementa sistematicamente a política de consolidação administrativa ao unir os súbditos da federação. Como resultado disso, seis regiões autónomas nacionais desapareceram na Rússia em cinco anos. Parece que os russos não vão parar por aí. Um exemplo da falta de direitos das repúblicas na Rússia foi o redesenhar da fronteira administrativa da Ingushetia com a Chechénia no fim de 2018, apesar de inúmeros protestos na Ingushetia.
As fronteiras internas e externas da Federação Russa, são consideradas por Putin como o legado prejudicial dos bolcheviques. Portanto, inicia guerras agressivas contra vizinhos e destrói o federalismo russo. No entanto, as fronteiras das entidades nacionais na URSS não eram um capricho. Era necessário dar aos povos pelo menos uma aparência de soberania para salvar a Rússia do colapso. Parece que os bolcheviques eram mais estadistas russos com visão de futuro do que Putin. Ao lutar contra o federalismo, Putin leva o seu estado para um novo 1991.
Um exemplo notável da atitude para com os povos da Rússia foi a proibição legislativa das actividades dos partidos nacionais em 2001. Isso foi feito para evitar o desenvolvimento de instituições políticas no Tartaristão, Basquíria, Chuvashia, Buryatia, Yakutia e outras repúblicas. Em seguida, os partidos que representavam os interesses dos cidadãos do Tartaristão foram liquidados à força, por exemplo, o “Ittifak” (“Consentimento”), o “Ymet” (“Esperança”), e o partido “Vatan” (“Pátria”). Mais tarde, o Kremlin foi ainda mais longe: baniu as associações públicas. Quase todas as organizações públicas influentes, que Moscovo não pôde colocar sob o seu controle, foram vítimas dessa decisão.
Mesmo aquelas organizações que nunca proclamaram a ideia de separar as repúblicas da Federação Russa também são liquidadas por decisão dos tribunais russos. Existe uma prática corrente quando certos defensores de direitos humanos, jornalistas e activistas sociais são condenados “por crimes de natureza extremista”, e isso torna-se a base para o encerramento de organizações nas quais os condenados participam. “Crimes de natureza extremista” não tem a ver com a apreensão de edifícios administrativos, nem com a criação de formações armadas ilegais e a proclamação das chamadas “repúblicas populares”: trata-se de protecção da língua nativa, de direitos humanos básicos. Por exemplo, no ano passado na Basquíria, um tribunal reconheceu a maior organização pública nacional, Bashkort, como extremista. Entre as principais acusações está a realização de um comício em defesa da língua bashkir em Setembro de 2017. O procuradoria descreveu o evento como “provocativo” e afirmou que os discursos dos participantes “continham declarações que apresentam sinais linguísticos e psicológicos de incitação ao ódio e inimizade”. Além disso, a “Bashkort” foi acusada de “uma avaliação negativa dos representantes das autoridades legislativas e executivas”.
Activistas públicos que lutam para preservar a língua e a cultura de seu povo nativo estão sob constante pressão das agências de segurança pública. Idade, sexo, crenças políticas não importam. Jovens tártaros da organização pública Azatlyk e aposentados do centro público tártaro foram levados a julgamento. Todos os que ousam falar não apenas sobre a preservação da diversidade étnica, mas também sobre a necessidade de mudar o governo na Federação Russa, estão a enfrentar uma pressão mais grosseira. Por exemplo, o xamã Yakut Alexander Gabyshev e a activista social Bashkir Ramilya Saitova foram vítimas de exames psiquiátricos obrigatórios e “tratamento”.
As autoridades russas, tão preocupadas com a observância dos direitos religiosos na Ucrânia, lançaram um verdadeiro terror contra o islão e o cristianismo “errados” na própria Federação Russa e nos territórios por ela ocupados. Os muçulmanos religiosos são perseguidos como extremistas. Uma razão suficiente para uma longa prisão é encontrar durante uma busca (não, não uma arma) apenas literatura. A administração russa nega o direito de satisfazer as necessidades religiosas a alguns protestantes, bem como aos fiéis da Igreja Ortodoxa da Ucrânia. Seguidores da religião tradicional Mari tornam-se vítimas da intolerância das autoridades. A destruição por oficiais e pelo clero ortodoxo dos santuários e locais de culto Mari, a imposição de vários níveis de proibições e restrições à conduta dos ritos religiosos Mari fazem parte da vida quotidiana do povo Mari.
Em termos de racismo, xenofobia e anti-semitismo, a Rússia está significativamente à frente da Ucrânia, embora esses males sociais sejam, em diverso grau, inerentes a muitos países do mundo. Na Federação Russa, esses problemas estão a ser escondidos atrás de uma retórica especial: os russos chamam a sua própria atitude de “patriotismo”, mas a das outras pessoas — “nacionalismo”, “fascismo” e “nazismo”. Separadamente, enfatizo que não é o voto a favor do texto russo da resolução da Assembleia Geral da ONU que testemunha quem é nazi e quem não é. Mais indicativos são o discurso de ódio das transmissões russas e a violência étnica nas ruas russas.
A verdadeira atitude das autoridades russas em relação ao federalismo também é demonstrada pelo modelo económico de relações entre o centro e as regiões. A estratégia do Kremlin é aumentar gradualmente as contribuições para o orçamento federal e aumentar a carga financeira sobre os governos locais por meio da implementação de programas socioeconómicos. Gradualmente, mesmo as repúblicas autossuficientes transformam-se em províncias subsidiadas. O fortalecimento da dependência económica das regiões visa objectivos políticos bastante compreensíveis. A própria ideia de repúblicas nacionais está a ser desacreditada ao demonstrar a “ineficiência e má gestão” das elites locais.
Um exemplo notável da situação colonial na Rússia é o Tartaristão — um dos súbditos mais ricos e desenvolvidos da federação. A república, generosa com o petróleo, serve como a vaca leiteira do orçamento federal, mas não tem o direito de determinar de forma independente até que ponto os alunos tártaros devem aprender a sua língua nativa. A exploração económica das repúblicas desenvolvidas é um dos temas que até os políticos e o público, leal a Moscovo, levantam regularmente.
Extraindo dinheiro e recursos naturais das regiões, Moscovo deixa em troca devastação social, devastação generalizada e zonas de desastre ecológico. Em 2019, os problemas ambientais da região do Volga ganharam destaque nos meios de comunicação europeus. Vários países europeus anunciaram ao mesmo tempo a suspensão do trânsito do petróleo russo. O motivo é a contaminação de matérias-primas com compostos organoclorados, que acabam por existir devido à exploração predatória de jazidas, aliás, tecnologias obsoletas e perigosas. De acordo com os especialistas, isso poderia levar a um declínio prematuro de toda a indústria do petróleo no Tartaristão e na Basquíria.
Um exemplo trágico de métodos de mineração desactualizados praticados pelas autoridades russas é a cidade de Sibay, na Basquíria. Desde Novembro de 2018, uma situação de crise desenvolveu-se devido às constantes emissões de produtos tóxicos da combustão de rochas de minério das pedreiras abandonadas nas zonas de mineração e processamento. A pedreira em Sibay ainda está a fumegar, pelo terceiro ano consecutivo, transformando Sibay num dos lugares mais perigosos de toda a Eurásia.
Uma situação ecológica difícil também é em Udmurtia, onde um local de destruição de armas químicas está localizado na cidade de Kambarka, na fronteira com a Basquíria. Baseado nesse local, de acordo com a decisão do governo federal, deverá surgir um complexo de processamento, aproveitamento e destruição de resíduos classificados com as classes 1 e 2 de perigo com capacidade de até 50 mil toneladas por ano. A empresa Rosatom foi identificada como o cliente estadual.
A decisão das autoridades encontrou resistência do público, ao tentar realizar um referendo local para bloquear a iniciativa federal. Ao mesmo tempo, activistas ambientais, representantes dos movimentos nacionais Udmurt, Bashkir e Tártaro opuseram-se à construção do complexo de tratamento de resíduos. No entanto, as autoridades russas conhecem apenas uma solução para o problema — silêncio e perseguição de todos os dissidentes. Enquanto isso, no Distrito Federal do Volga, na Federação Russa, de acordo com o Centro Nacional de Pesquisa Médica na área da Radiologia, as taxas de cancro nos últimos 10 anos aumentaram 30%. O manuseio descuidado de materiais radioaсtivos na Rússia representa uma ameaça aos países vizinhos.
Mesmo na Crimeia ocupada, da qual as autoridades de Putin estão a esforçar-se para dar uma imagem de sucesso, após a chegada do governo russo, a catástrofe ambiental (emissões tóxicas na fábrica de Titã da Crimeia em Agosto de 2018) não diminuiu. As realidades do Tartaristão e de outras repúblicas demonstram claramente à Ucrânia que qualquer relação estreita com a Rússia a longo prazo leva à perda de independência, russificação, privação dos direitos dos cidadãos, exploração económica, desastres sociais e ambientais. E não será um consolo para nós se for novamente declarado como “problemas comuns a todos nós”. É preciso ficar longe das autoridades que constantemente geram esses problemas.
Lamento muito que o Tartaristão seja agora um exemplo do que a Ucrânia deve evitar por todos os meios. Mas o dia chegará em que os cidadãos do Tartaristão decidirão o seu próprio destino.
Anton DROBOVYCH, chefe do Instituto Ucraniano de Memória Nacional
P.S. Gostaria igualmente de expressar a minha gratidão ao Centro de Investigação de Ambiente de Segurança “Prometheus” pelos valiosos conselhos dados durante a preparação deste material.
Fonte: Instituto Ucraniano de Memória Nacional
Fotografia: InformNapalm
Tradução: Helena Sofia da Costa. Distribuição e partilha com referência à fonte são bem-vindas! O InformNapalm não tem nenhum apoio financeiro do governo de nenhum país ou doador, os únicos patrocinadores do projeto são os seus voluntários e leitores. Também pode ajudar o InformNapalm com uma contribuição através da plataforma Patreon.
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