Nesta apresentação:
- Uma fábrica russa responsável pela construção de caças Sukhoi Su-57 está a ser reequipada com máquinas ocidentais.
- A aquisição de equipamentos ocorre sob o pretexto de entregas de fornecimentos chineses e russos.
- A maquinaria industrial provém de Taiwan e da Alemanha, que correm o risco de se tornarem vítimas de agressão.
Na publicação de hoje, convidamos os nossos leitores a conhecer os bastidores da fábrica de defesa russa Micropribor, localizada na aldeia de Konakovo, perto da cidade de Tver, na Rússia. A fábrica está envolvida na produção dos novos caças russos Sukhoi Su-57. Recentemente, em outubro de 2024, o The Telegraph escreveu sobre problemas com este projecto devido à falta de peças para o módulo MPPU-50, que é produzido pela Micropribor.
O caça Su-57 de 5ª geração é um elemento-chave da propaganda russa sobre a superioridade tecnológica do complexo militar-industrial russo sobre os seus rivais. No entanto, as evidências de analistas relatadas pelo The Telegraph indicam que a produção de aviónicos para o Su-57 é impossível sem componentes ocidentais. Porém, verificamos que os seus fornecimentos à Rússia continuam apesar das sanções.
Os voluntários da InformNapalm demonstraram como a empresa russa Planar, através da sua filial nos EUA, forneceu os componentes electrónicos necessários para a indústria militar russa, incluindo a Micropribor.
De notar que ambos os recursos foram preparados com base nos dados fornecidos pelos hacktivistas do grupo Cyber Resistance. Mas a investigação da Micropribor foi diferente de muitas operações anteriores. Durou dois anos e foi possível graças à cooperação com a empresa privada de análise e inteligência Dallas. Em particular, foi implantado spyware na intranet da empresa. Isto ajudou a equipa a obter as especificações e os dados de desempenho dos armamentos contendo os componentes produzidos pela Micropribor. Os dados foram transferidos para parceiros da Ucrânia no estrangeiro. A equipa da Dallas assumiu a tarefa de recolher informações primárias sobre o alvo e também ajudou os hacktivistas a obter acesso às informações.
Apenas uma pequena parte da informação obtida na monitorização da Micropribor foi divulgada até ao momento. Temos agora a oportunidade de contar um pouco mais. Os dados recolhidos permitem-nos olhar para a situação no complexo industrial militar russo numa perspectiva mais ampla do que apenas o fornecimento de electrónica ocidental.
De acordo com as alegações oficiais, a indústria russa há muito que luta pela “substituição de importações” de equipamentos e componentes. O Kremlin traçou este rumo muito antes da invasão em grande escala da Ucrânia. No entanto, existem vários indicadores de que, no seu conjunto, a Rússia não conseguiu até agora cumprir a tarefa. Em particular, é atestado pela escala das importações paralelas e pelos esforços nelas investidos.
Um dos documentos da JSC Micropribor revela informações sobre a maquinaria de produção da fábrica. É um artigo analítico sobre o estado do equipamento fabril da fábrica no início de 2022. O artigo deixa claro que uma parte significativa da capacidade desta fábrica russa depende de equipamento estrangeiro.
Formalmente, quase metade da maquinaria é de produção nacional e isto pode ser visto como um resultado muito bom. No entanto, uma moderna fresadora de precisão de classe mundial e uma soviética estão em mundos diferentes em termos do seu valor de produção. Por isso, prestamos especial atenção à idade das máquinas analisadas.
O troço acima é da secção de maquinaria. Mostra que o equipamento mais recente (com até cinco anos de idade) é quase inteiramente estrangeiro, enquanto a percentagem proveniente da China, amiga da Rússia, é baixa.
A situação é um pouco melhor com equipamentos que têm entre cinco e dez anos, mas pelo menos metade deles são estrangeiros (fabricados na Alemanha e em Taiwan).
Um pormenor importante – há 12 anos, a percentagem de novos equipamentos russos na fábrica era superior à de há sete anos, embora anos de políticas de “substituição de importações” devessem ter produzido a tendência oposta.
Há mais equipamento russo na montagem do que na oficina de maquinaria.
No entanto, no departamento de instrumentação e controlo, a maior parte dos equipamentos é estrangeira. A China não é o único fornecedor de equipamento importado aqui, o que é um padrão familiar.
O documento mostra que a parte decisiva no apoio à produção na fábrica da Micropribor pertence a fabricantes ocidentais. É importante notar que se trata aqui de uma fábrica militar que fabrica “tipos de armas prioritárias”, para citar os autores do artigo analítico.
Em particular, 45 dos 100 novos tipos de equipamento (até 10 anos) utilizados para a produção de armas russas (incluindo Su-57) foram importados. A percentagem de máquinas importadas foi ainda maior para os equipamentos mais recentes com menos de cinco anos – 18 de 29 tipos (62%). Recordemos que à data da redação do artigo analítico (2022), a agressão da Rússia à Ucrânia já durava há oito anos. Considerando que a propaganda anti-ocidental russa já existia ainda há mais tempo. A Micropribor hoje é movida principalmente por máquinas importadas: MCV-300 de Taiwan (fabricada por Long Chang Machinery Co ltd), DMG CTX 310 de uma parceria japonesa-alemã, ALZTRONIC 9 da alemã Alzmetall, Czech Ergonomic, ATS DSI 192 italiana, Mini-Circu americana, etc. .
Este artigo analítico só por si fornece muitos dados sobre o estado da produção na Micropribor. Por exemplo, informações estatísticas sobre os colaboradores. Pode encontrar a versão completa do documento no link abaixo.
Algumas mudanças ocorreram após a invasão em grande escala. Contudo, os detalhes mostram de forma convincente que estão muito longe daquilo que os proponentes do isolamento tecnológico da Rússia gostariam de alcançar. A fábrica continua a ser “reequipada com sucesso” com os mais recentes equipamentos importados.
O artigo analítico refere que no início de 2022, o departamento de instrumentação e controlo da Micropribor contava com quatro analisadores de espectro fabricados na Alemanha, sem mencionar o fabricante. Os analisadores de espectro são utilizados, por exemplo, na produção de equipamentos de rádio. Ao mesmo tempo, a Micropribor desenvolve não só componentes do Su-57, mas também a estação de rádio do exército russo Arakhis-2..
A documentação mostra que a Micropribor continuou a comprar analisadores de espectro alemães em 2023. Também poderíamos descobrir mais sobre o fabricante: é a Rohde&Swartz. A AMTEST LLC forneceu produtos semelhantes e similares no valor de quase 30 milhões de rublos em janeiro de 2023.
A Amtest LLC oferece abertamente equipamentos de medição “de fabricantes globais para todas as regiões da Rússia” na página principal do seu website.
Ainda não há informações sobre a introdução de sanções contra a Amtest.
Máquina “russa”: precisão alemã e qualidade taiwanesa por yuans chineses
A aquisição de máquinas de grande porte também continua após o início da produção em grande escala. Em 27 de julho de 2022, foi celebrado um contrato com a KAMI-GRUPP LLC para o fornecimento de um torno KLE 360 CNC fabricado pela Siemens. A transação inclui uma descrição completa das mercadorias.
A especificação deixa claro que a KLE 360, uma máquina formalmente chinesa, utiliza a maioria dos componentes produzidos em Taiwan. Em particular, pelas empresas Auto Strong e HIWIN. O software é da gigante alemã Siemens.
Pela positiva, é de notar que a KAMI-GROUP LLC foi alvo de sanções por parte dos EUA, da UE e da Suíça. Pela negativa, o nível de cooperação industrial e de penetração tecnológica mútua entre a China e Taiwan, que são adversários geopolíticos, é motivo de considerável preocupação.
O exemplo da Micropribor mostra em detalhe como a China está a “substituir as importações” de equipamento ocidental na Rússia.
Em fevereiro de 2023, a Micropribor adquiriu equipamentos à DM TECHNOLOGIES LLC. Este contrato é significativo de várias formas.
A DM Technologies é bem conhecida na Rússia. A propaganda russa usou o seu caso como mais um símbolo de uma “substituição de importações” bem sucedida. No final de 2023, os meios de comunicação russos noticiaram triunfalmente o lançamento da produção de maquinaria russa em Ulyanovsk sob a marca COBALT. No entanto, esta não é uma produção nova.
Por exemplo, através de um artigo de fontes abertas, no jornal Kommersant, percebemos que a DM Technologies é a renomeada DMG MORI RUS LLC, a filial russa da corporação nipo-alemã de máquinas-ferramenta, que já tinha instalações em Ulyanovsk.
O site da DM Technologies oferece, na verdade, máquinas-ferramentas com a sua própria marca. Em particular, a fresadora FM 9000V.
Foi exatamente isso que a Micropribor comprou à DM Technologies em fevereiro de 2023.
Há um pormenor surpreendente no contrato: por algum motivo, uma fábrica russa compra uma máquina russa a uma empresa russa, mas liquidam-na em yuan chinês.
Porquê? Os investigadores do projeto The Insider explicaram-no com base em dados alfandegários russos. Resumindo, todas as máquinas são importadas da China, enquanto na Rússia apenas as marcam com a marca DMT. No entanto, o contrato Micropribor permite-nos olhar por baixo do capô da máquina FM 9000V. E aí percebemos problemas muito mais profundos.
O link para o texto completo do acordo
Os sistemas que não são de origem chinesa estão destacados a amarelo. O pacote de software de controlo é tradicionalmente alemão, fornecido pela Siemens. A seguir, uma sonda de medição, para minimizar o factor humano na produção, é também da empresa alemã Blum-Novotest.
Note que a captura de ecrã foi tirada no site da Blum-Novotest, que ainda tem uma versão funcional em russo. Moscovo também permanece no mapa como local de uma filial. A sede e as fábricas da empresa estão localizadas na Alemanha.
A mesa rotativa TJR FAR 125b é fabricada em Taiwan e o fabricante é um dos líderes no seu sector. Este é mais um exemplo de cooperação entre a China e Taiwan numa indústria supostamente civil, envolvendo empresas como a Micropribor que estão directamente ligadas ao complexo industrial militar.
P.S. De referir que foram impostas sanções dos EUA contra a DM Technologies LLC em dezembro de 2023. No entanto, não há informações sobre se foram introduzidas quaisquer restrições ou se houve alguma pressão sobre as contrapartes da empresa na China. E o mais importante é que as empresas de outras jurisdições, como Taiwan ou a Alemanha, ainda não têm uma obrigação clara de solicitar informações adicionais sobre os utilizadores finais dos seus produtos. As empresas não são responsabilizadas pela entrega das suas mercadorias na Rússia. Por conseguinte, o preço dos seus produtos continua acessível para os compradores russos.
Tradução da língua inglesa para a língua portuguesa: Vasco B
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